Voto Eletrônico, Voto Seguro?

segunda-feira, setembro 25

Dez anos depois, urna ainda é vulnerável, dizem especialistas

A urna eletrônica brasileira é “fraudável”, avaliam técnicos; sistema eleitoral é “100% seguro”, contesta TSE

Por Mariana Oliveira, do G1, em São Paulo

Os 125 milhões de eleitores brasileiros terão novamente à disposição em 1º de outubro o mais moderno equipamento de votação do mundo. Mas, passados dez anos da implantação do sistema, ainda não podem ter absoluta certeza de que o resultado da eleição reflete a vontade dos eleitores.Consultados pelo G1, três especialistas que conhecem o sistema por dentro avaliam que as urnas são vulneráveis. São eles o engenheiro Amílcar Brunazo Filho --um dos principais especialistas em segurança de dados do Brasil--, o professor de Ciência da Computação da Unicamp Jorge Stolfi e o ex-juiz eleitoral Ilton Carlos Dellandréa. Os três são unânimes: a urna eletrônica é “fraudável”.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contesta. “O sistema é 100% confiável”, afirma o secretário de Tecnologia da Informação do tribunal, Giuseppe Dutra Janino.

Leia também neste especial preparado pelo G1:

- Infográfico: entenda como funciona a urna eletrônica
- Risco está na corrupção, diz engenheiro
- Urna é 100% confiável, diz TSE
- TSE promete identificação por biometria em 2008

Para Brunazo, Stolfi e Dellandréa, o principal problema da urna eletrônica é que ela não imprime um comprovante a ser conferido pelo eleitor. Não é possível saber se o voto foi computado corretamente. Atualmente, o eleitor digita o número do candidato, vê a foto dele e confirma a opção. Porém, segundo os especialistas, o sistema pode ser alterado para não funcionar exatamente assim. Por exemplo, alguém envolvido na criação ou instalação do software das urnas poderia reprogramar o sistema para mostrar a imagem de determinado candidato e computar o voto para outro. Na hora da contagem dos votos, a fraude não seria detectada.

Nova urna
Os três especialistas defendem um novo modelo de urna eletrônica, que imprimiria o voto para ser conferido. O eleitor veria o voto impresso através de uma janela de vidro, mas não teria acesso ao comprovante, que ficaria depositado em uma urna lacrada. Em caso de dúvida sobre o resultado, essa urna seria aberta para uma recontagem manual. Nesse novo sistema, a apuração continuaria rápida, mas, se fosse contestada, o resultado poderia ser comprovado na recontagem.
O TSE rejeita essa proposta. O argumento é que o sistema de impressão poderia facilitar que pessoas interessadas em tumultuar a eleição afirmassem que a urna não computou o voto corretamente. O tribunal avalia que, com a implantação da assinatura digital --que trava o sistema no caso de qualquer modificação-- e com a possibilidade de os partidos políticos terem seis meses para conferência do sistema, as fraudes não ocorrem.
O professor do Instituto de Computação da Unicamp Jorge Stolfi -- que ressalta falar por si e não pela universidade --, diz que o fato de o TSE abrir o sistema para inspeção dos técnicos dos partidos políticos não resolve e questão.
“Eles abrem apenas o software da votação e não o software da urna, que é como um Windows num computador comum. Além disso, o software das urnas tem 1 milhão de linhas de código, o que representa que em seis meses temos de verificar 5,5 mil linhas por dia. Para fazer uma verificação eficaz no sistema, conseguiríamos checar apenas 50 linhas de código diariamente.”
O engenheiro especializado em segurança de dados eletrônicos, Amílcar Brunazo Filho, lançou em agosto o livro “Fraudes & Defesas no Voto Eletrônico – A Urna Eletrônica em Xeque”. Ele vai ainda mais longe na contestação do sistema eleitoral brasileiro. Acredita que, não somente as urnas, mas todo o processo pode ser fraudado, desde a emissão dos títulos de eleitor até a totalização dos votos.“
As etapas de cadastramento eleitoral, votação, apuração e totalização podem ser atacadas por pessoas inescrupulosas que obtenham acesso ao sistema em alguma dessas etapas”, afirma Brunazo Filho.
Teste
Em julho deste ano, Brunazo Filho protocolou no TSE um pedido para demonstrar ao tribunal, por meio de um teste, que as urnas são vulneráveis a fraude. Ainda não obteve resposta. O secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Dutra Janino, disse ao G1 que o órgão estuda a melhor forma para fazer o teste de maneira científica. “
Não temos condição de preparar isso no meio de um processo eleitoral. É nosso interesse mostrar a transparência do processo”. Segundo Janino, o teste poderá ocorrer no primeiro semestre de 2007.
Para o ex-juiz eleitoral Ilton Carlos Dellandréa, aposentado em 2002 e que atuava como presidente de zona eleitoral em Porto Alegre quando o equipamento eletrônico começou a ser utilizado, em 1996, “a urna eletrônica virtual que será usada nas próximas eleições não é segura como deveria ser e, por isso, não é confiável”.
O ex-juiz afirma que nunca recebeu informações detalhadas sobre o processo e só percebeu que a urna é fraudável quando, já aposentado, resolveu se informar melhor sobre tecnologia da informação. “
A urna é um aparato de informática, e todo mundo sabe que qualquer aparelho programável por seres humanos apenas obedece a comandos. Pode ocorrer a inserção de comandos mal-intencionados por programadores também mal-intencionados.”
Segundo o TSE, o Brasil é o único país do mundo em que o sistema eleitoral é 100% eletrônico, e serve de exemplo para outros países. O engenheiro Amilcar Brunazo Filho, no entanto, diz que nenhum outro país, com exceção do Paraguai , adota o sistema 100% eletrônico, justamente por causa da possibilidade de fraudes.
O TSE confirmou que o Paraguai foi o único a adotar, mas disse que em outros países as urnas eletrônicas estão em fase de testes.