As urnas da Diebold – dinamitadas e adoradas
Por José Rodrigues Filho *
No início da semana que passou a empresa Diebold, fabricante de nossas urnas eletrônicas, foi dinamitada com um relatório resultante de uma pesquisa produzida pelo Instituto de Ciência Eleitoral, da Califórnia, USA, que demonstrou, mais uma vez, a fragilidade e insegurança do voto eletrônico.
A mídia americana não pára de emitir comentários sobre o assunto. O sistema de votação estudado dispunha de mecanismo de impressão do voto do eleitor, ou seja, a máquina de votar era acoplada a uma impressora que emitia o registro do voto. Mesmo assim, o relatório mostrou que, no caso de uma recontagem de votos, cerca de dez por cento (10%) das provas do sistema de verificação e emissão de votos eram ilegíveis, foram destruídos, desapareceram ou estavam comprometidos. Em resumo, a recontagem de votos estava comprometida. Este fato parece derrubar a tese dos que defendem o mecanismo de emissão do voto de papel.
Além disto, o estudo constatou que em cerca de cinqüenta por cento (50%) dos locais de votação houve uma discrepância entre o que estava registrado e armazenado na máquina e a emissão do voto de papel. A média de discrepância foi de 25 votos por local de votação, embora se tenha registrado uma discrepância de mais de 200 votos num único local. Resumindo, o que se constatou foi que a verificação e impressão de votos não batiam com o que estava armazenado na máquina de votar; o que estava registrado na memória da máquina não batia com os cartões de memória; que também não batia com a emissão de votos.
Um fato curioso apontado na pesquisa e comentado pela imprensa foi o de que 24 urnas utilizadas na eleição não continham nenhum voto registrado. Diante destas e outras irregularidades, o relatório concluiu que confiar num sistema de votação eletrônico no estado atual é um risco calculado, pois embora se tenha o resultado de uma eleição que seja aceitável, existe um elevado risco de custo inaceitável. Não estamos falando de fraudes, mas de erros ocorridos nas urnas eletrônicas.
O relatório foi o resultado de uma pesquisa que custou trezentos e quarenta e um mil dólares (US$ 341,000), ou seja, quase um bilhão de reais, gastos num período de três meses pelo distrito de Cuyahoga, município de Cleveland, no Estado do Ohio, envolvendo um batalhão de pesquisadores das áreas de computação, engenharia de sistemas, ciência política, estatística e gestão organizacional. Trata-se de um documento completo e rico de informações, de mais de 200 páginas e que estudou minuciosamente 467 urnas no distrito. O relatório pode ter suas falhas, mas não se trata de um documento falso.
A empresa Diebold tentou desqualificar o relatório do Instituto de Ciência Eleitoral, alegando que as discrepâncias encontradas não eram discrepâncias, atribuindo os erros aos mesários que não tinham o devido treinamento para cuidar de uma eleição. Nos últimos dias desta semana, a administração municipal tentou assumir os erros, pois seria até injusto atribuir todos eles à Diebold e suas máquinas. Neste caso, tanto a Diebold como o relatório da pesquisa chegou a uma conclusão mais ou menos idêntica: uma eleição só pode ser segura e confiável se a administração humana do sistema da eleição estiver devidamente preparado para conduzi-la. Mesmo assim, fica demonstrado, neste caso, que existiram falhas das máquinas, falhas das impressoras e falhas humanas. Daí a necessidade de se continuar desenvolvendo pesquisas para se encontrar o sistema mais eficiente e confiável.
Os Estados Unidos vão realizar eleições no mês de novembro próximo, tendo investido bastante em urnas eletrônicas, com a intenção de que mais de cinqüenta por cento (50%) dos votos sejam computados por elas. Mesmo assim, desde o mês de julho próximo passado que a imprensa, quase que diariamente, detona comentários contra a utilização das urnas eletrônicas, existindo ações judiciais para que elas não sejam utilizadas em vários Estados. Isto sem falar no fato de que alguns Estados não pretendem utilizá-las.
No Brasil, neste período eleitoral, com raríssimas exceções, parece não haver interesse da imprensa de tratar das fragilidades das urnas da Diebold, que são utilizadas nas nossas eleições. Aliás, quando se fala em urnas eletrônicas é incrível como muitos brasileiros parecem sentir seu ego sendo massageado, acreditando que se trata de uma tecnologia brasileira e que o mundo está com inveja do Brasil.
Não há dúvidas que o Brasil foi o primeiro país do mundo a decidir usar, de forma precipitada, urnas eletrônicas para uma eleição em larga escala. Contudo, as urnas sempre foram adquiridas da empresa Diebold, ou seja, sempre foi uma tecnologia lá de fora e, ao que tudo indica, investimentos obscenos foram realizados em urnas eletrônicas, comprometendo outras necessidades básicas e maiores de nossa população. Não se pode continuar, neste país, reciclando velhas iniqüidades, com o único propósito de se ter, com rapidez, o resultado de uma eleição e mostrar ao mundo que somos tecnologicamente avançados, embora pagando muito caro pela tecnologia utilizada.
Não somos contra a tecnologia, mas devemos primeiramente saber se o país tem as condições econômicas de utilizá-la, pois se trata de um elevado investimento. Há poucos anos a empresa Diebold comemorou ter alcançado o maior faturamento de um único pedido em seus 141 anos de história, equivalente a mais de cem milhões de dólares, ao vender urnas eletrônicas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A questão que se faz é a seguinte: o que a nossa democracia ganhou com isto? O que estamos assistindo é uma divisão digital neste país por conta de investimentos obscenos em urnas eletrônicas, sem a condição de se criar nenhuma capacidade tecnológica nesta área. Enquanto o TSE investe maciçamente na aquisição de urnas eletrônicas sofisticadas, correndo o risco de não utilizar toda a sua capacidade durante as eleições deste ano, nega, por outro lado, a pagar irrisórias despesas de viagens e hospedagens de um ou outro pesquisador brasileiro interessado em comparecer, neste início de setembro, à cerimônia de lacre destas urnas para as próximas eleições. O TSE deveria inicialmente investir em pesquisas para depois decidir sobre a aquisição de compra de máquinas de votar. É assim que acontece em outros países.
Enquanto a comunidade acadêmica dos países desenvolvidos dinamita as urnas da Diebold, com resultados bastante consistentes, no Brasil estes artefatos são adorados, devendo a comunidade acadêmica se manter distante para não conhecê-los. Nós, pesquisadores, eleitores e cidadãos somos tratados como pagãos, que temos a necessidade de sermos salvos no altar da máquina de votar da Diebold. Como seres humanos, somos imperfeitos, sujeitos ao pecado e temos de ser perdoados, porém as urnas são infalíveis. Pior ainda: ninguém pode se atrever a interferir no sermão da contagem de votos.
No início da semana que passou a empresa Diebold, fabricante de nossas urnas eletrônicas, foi dinamitada com um relatório resultante de uma pesquisa produzida pelo Instituto de Ciência Eleitoral, da Califórnia, USA, que demonstrou, mais uma vez, a fragilidade e insegurança do voto eletrônico.
A mídia americana não pára de emitir comentários sobre o assunto. O sistema de votação estudado dispunha de mecanismo de impressão do voto do eleitor, ou seja, a máquina de votar era acoplada a uma impressora que emitia o registro do voto. Mesmo assim, o relatório mostrou que, no caso de uma recontagem de votos, cerca de dez por cento (10%) das provas do sistema de verificação e emissão de votos eram ilegíveis, foram destruídos, desapareceram ou estavam comprometidos. Em resumo, a recontagem de votos estava comprometida. Este fato parece derrubar a tese dos que defendem o mecanismo de emissão do voto de papel.
Além disto, o estudo constatou que em cerca de cinqüenta por cento (50%) dos locais de votação houve uma discrepância entre o que estava registrado e armazenado na máquina e a emissão do voto de papel. A média de discrepância foi de 25 votos por local de votação, embora se tenha registrado uma discrepância de mais de 200 votos num único local. Resumindo, o que se constatou foi que a verificação e impressão de votos não batiam com o que estava armazenado na máquina de votar; o que estava registrado na memória da máquina não batia com os cartões de memória; que também não batia com a emissão de votos.
Um fato curioso apontado na pesquisa e comentado pela imprensa foi o de que 24 urnas utilizadas na eleição não continham nenhum voto registrado. Diante destas e outras irregularidades, o relatório concluiu que confiar num sistema de votação eletrônico no estado atual é um risco calculado, pois embora se tenha o resultado de uma eleição que seja aceitável, existe um elevado risco de custo inaceitável. Não estamos falando de fraudes, mas de erros ocorridos nas urnas eletrônicas.
O relatório foi o resultado de uma pesquisa que custou trezentos e quarenta e um mil dólares (US$ 341,000), ou seja, quase um bilhão de reais, gastos num período de três meses pelo distrito de Cuyahoga, município de Cleveland, no Estado do Ohio, envolvendo um batalhão de pesquisadores das áreas de computação, engenharia de sistemas, ciência política, estatística e gestão organizacional. Trata-se de um documento completo e rico de informações, de mais de 200 páginas e que estudou minuciosamente 467 urnas no distrito. O relatório pode ter suas falhas, mas não se trata de um documento falso.
A empresa Diebold tentou desqualificar o relatório do Instituto de Ciência Eleitoral, alegando que as discrepâncias encontradas não eram discrepâncias, atribuindo os erros aos mesários que não tinham o devido treinamento para cuidar de uma eleição. Nos últimos dias desta semana, a administração municipal tentou assumir os erros, pois seria até injusto atribuir todos eles à Diebold e suas máquinas. Neste caso, tanto a Diebold como o relatório da pesquisa chegou a uma conclusão mais ou menos idêntica: uma eleição só pode ser segura e confiável se a administração humana do sistema da eleição estiver devidamente preparado para conduzi-la. Mesmo assim, fica demonstrado, neste caso, que existiram falhas das máquinas, falhas das impressoras e falhas humanas. Daí a necessidade de se continuar desenvolvendo pesquisas para se encontrar o sistema mais eficiente e confiável.
Os Estados Unidos vão realizar eleições no mês de novembro próximo, tendo investido bastante em urnas eletrônicas, com a intenção de que mais de cinqüenta por cento (50%) dos votos sejam computados por elas. Mesmo assim, desde o mês de julho próximo passado que a imprensa, quase que diariamente, detona comentários contra a utilização das urnas eletrônicas, existindo ações judiciais para que elas não sejam utilizadas em vários Estados. Isto sem falar no fato de que alguns Estados não pretendem utilizá-las.
No Brasil, neste período eleitoral, com raríssimas exceções, parece não haver interesse da imprensa de tratar das fragilidades das urnas da Diebold, que são utilizadas nas nossas eleições. Aliás, quando se fala em urnas eletrônicas é incrível como muitos brasileiros parecem sentir seu ego sendo massageado, acreditando que se trata de uma tecnologia brasileira e que o mundo está com inveja do Brasil.
Não há dúvidas que o Brasil foi o primeiro país do mundo a decidir usar, de forma precipitada, urnas eletrônicas para uma eleição em larga escala. Contudo, as urnas sempre foram adquiridas da empresa Diebold, ou seja, sempre foi uma tecnologia lá de fora e, ao que tudo indica, investimentos obscenos foram realizados em urnas eletrônicas, comprometendo outras necessidades básicas e maiores de nossa população. Não se pode continuar, neste país, reciclando velhas iniqüidades, com o único propósito de se ter, com rapidez, o resultado de uma eleição e mostrar ao mundo que somos tecnologicamente avançados, embora pagando muito caro pela tecnologia utilizada.
Não somos contra a tecnologia, mas devemos primeiramente saber se o país tem as condições econômicas de utilizá-la, pois se trata de um elevado investimento. Há poucos anos a empresa Diebold comemorou ter alcançado o maior faturamento de um único pedido em seus 141 anos de história, equivalente a mais de cem milhões de dólares, ao vender urnas eletrônicas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A questão que se faz é a seguinte: o que a nossa democracia ganhou com isto? O que estamos assistindo é uma divisão digital neste país por conta de investimentos obscenos em urnas eletrônicas, sem a condição de se criar nenhuma capacidade tecnológica nesta área. Enquanto o TSE investe maciçamente na aquisição de urnas eletrônicas sofisticadas, correndo o risco de não utilizar toda a sua capacidade durante as eleições deste ano, nega, por outro lado, a pagar irrisórias despesas de viagens e hospedagens de um ou outro pesquisador brasileiro interessado em comparecer, neste início de setembro, à cerimônia de lacre destas urnas para as próximas eleições. O TSE deveria inicialmente investir em pesquisas para depois decidir sobre a aquisição de compra de máquinas de votar. É assim que acontece em outros países.
Enquanto a comunidade acadêmica dos países desenvolvidos dinamita as urnas da Diebold, com resultados bastante consistentes, no Brasil estes artefatos são adorados, devendo a comunidade acadêmica se manter distante para não conhecê-los. Nós, pesquisadores, eleitores e cidadãos somos tratados como pagãos, que temos a necessidade de sermos salvos no altar da máquina de votar da Diebold. Como seres humanos, somos imperfeitos, sujeitos ao pecado e temos de ser perdoados, porém as urnas são infalíveis. Pior ainda: ninguém pode se atrever a interferir no sermão da contagem de votos.
O Brasil é um país com experiência na utilização das urnas da Diebold, porém não existe um só estudo demonstrando a sua robustez, como afirma o TSE. Pior ainda, qualquer comentário contrário às urnas da Diebold é desmentido e desqualificado por técnicos do TSE. Não se avalia tecnologia de informação neste país. As urnas já alcançaram o status de religião e o cultor não pode questionar o dogma. No dia primeiro de outubro vamos à igreja da democracia fazer a nossa genuflexão perante as novas sacerdotisas das máquinas de votar, considerando que elas são as mais altas autoridades num país que, realmente, foi o primeiro a privatizar o seu sistema de votação.
* José Rodrigues Filho foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente é professor da Universidade Federal da Paraíba e desenvolve pesquisa sobre governo eletrônico e democracia eletrônica.
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