Voto Eletrônico, Voto Seguro?

terça-feira, novembro 28

Eleições eletrônicas - A redução da cidadania

Por José Rodrigues Filho


No dia 29 de outubro, poucas horas após o encerramento da votação, a nação brasileira tomou conhecimento do resultado das apurações e dos candidatos eleitos em segundo turno. O espetáculo tecnológico foi festejado pelas autoridades eleitorais e pelo próprio presidente da República reeleito, que saíram em defesa do voto eletrônico, até mais com o propósito de amortizar as críticas que têm sido feitas aos sistemas de votação eletrônica no Brasil e no mundo.

Por sua vez, a mídia dominante, não deixou de criar as costumeiras narrativas para a mente das pessoas, enaltecendo o espetáculo tecnológico do voto eletrônico, que tem mais o propósito de esconder as mazelas do nosso sistema político e eleitoral do que trazer a discussão do voto eletrônico à sociedade.

Irrelevante e inconseqüente
Nos últimos anos, o voto eletrônico no Brasil vem sendo discutido apenas em termos de sua vulnerabilidade e falta de segurança. Esta discussão mecânica e técnica do voto eletrônico talvez interesse mais aos fabricantes de urnas eletrônicas do que aos eleitores, uma vez que as questões centrais deixam de ser discutidas. É chegado o momento de se discutir, no Brasil, a relação entre a tecnologia do voto eletrônico e a cidadania. Esta é a discussão mais apropriada para a nossa realidade eleitoral, mas, infelizmente, neste espaço, não é possível situar todas as questões que afetam esta relação do voto eletrônico com a cidadania.

Contudo, uma tentativa será feita para mostrar que tanto no Brasil como nos países mais desenvolvidos, o voto eletrônico vem sendo proposto para esconder as mazelas dos sistemas político e eleitoral. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, por exemplo, pensou-se em usar o voto eletrônico com o propósito de aumentar o comparecimento às urnas, pois os eleitores estão descrentes das instituições, principalmente dos partidos políticos e dos próprios políticos. Como no Brasil este comparecimento é feito à força, através da excrescência do voto compulsório, não se consegue enxergar a utilidade do voto eletrônico, a não ser para diminuir o trabalho das autoridades eleitorais e se ter o resultado de uma eleição dentro de poucas horas. Não há nenhuma evidência de que o voto eletrônico esteja melhorando a saúde de nossa democracia.

Apesar da excrescência do voto compulsório no Brasil, são fortes as evidências de desengajamento de eleitores dos processos políticos e eleitorais, uma vez que o ato de votar parece irrelevante e inconseqüente para a vida dos cidadãos. As estatísticas de voto nulo, em branco e abstenção são provas disto, além da campanha do voto nulo.

Ato político
Assim, tanto nos países acima citados, como aqui no Brasil, existe uma descrença total nas instituições e nos processos eleitorais. Todavia, não é o voto eletrônico que vai resolver esta questão, razão pela qual precisamos justificar o uso do voto eletrônico neste país, já que nas democracias mais sólidas o voto eletrônico é visto com muita suspeita, quando se verifica o que se quer encobrir com a sua utilização.

Se a descrença generalizada das instituições aumenta, a nossa cidadania é afetada e diminuída a partir do próprio ato de votar, quando as pessoas não mais parecem interessadas em votar. Daí, a crença de que o voto faz diferença começa a cair entre as pessoas. Do lado das instituições, o que se percebe é que não importa em quem votar, desde que se vote. Aliás, para alguns anarquistas, se o voto mudasse alguma coisa, seria ilegal votar. Outros críticos vão mais além, dizendo que votar é um ato de dar legitimidade a bandidos que ganham licença para saquear os cofres públicos.

Portanto, se o sistema político está podre, com ele apodrece o ato de votar. Neste caso, não é o voto eletrônico que vai salvar a situação. Votar é um ato político da mesma forma que não votar o é. Neste caso, estamos mais do que carentes de uma reforma política que preceda uma reforma eleitoral, com o propósito de resgatar o ato de votar como direito e dever cívico, tornando-o norma social, de modo que o engajamento político e a luta de idéias sejam as medidas da qualidade da nossa democracia.

Práticas democráticas
Por sua vez, o nosso sistema eleitoral, mais voltado para proteger os partidos políticos dos que os cidadãos, precisa de mudança substancial. É preciso retirar o controle excessivo da estrutura jurídico-eleitoral do voto do eleitor, repassando este controle do voto aos eleitores. Isto se aplica às máquinas de votar que têm mais controle do voto do que os próprios cidadãos.

Não é fácil tornar o voto um dever cívico diante de um sistema que estimula e estima a corrupção, a compra de votos etc. Diante disto, mais difícil ainda é torná-lo uma norma social. O uso do cinto de segurança e as restrições de não fumar em determinados ambientes, por exemplo, tornaram-se facilmente normas sociais em nosso país.

A classe política e a sociedade como um todo têm que promover mudanças visando tornar as eleições símbolos e rituais indispensáveis à saúde de nossa democracia e o ato de votar uma norma social e um direito e dever cívico. Neste caso, esta transformação se dará com a melhoria da cidadania e não através do voto eletrônico. Precisamos investir no nosso eleitor, e não em urnas eletrônicas, com vem acontecendo. A cidadania aumenta o engajamento das pessoas e não tem pressa para se obter o resultado de uma eleição em poucas horas. Símbolos, rituais e cultura estão embutidos na cidadania.

Contudo, o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) pode contribuir para melhorar a cidadania. A internet, por exemplo, pode ser utilizada para levar informações a cidadãos e eleitores. Em vez de gastar milhões de dólares com o voto eletrônico, o governo deveria empregar estes recursos em tecnologias mais úteis para a sociedade, informando melhor aos cidadãos. A instalação de pontos e centros de internet nas cidades poderia tornar nossos eleitores e cidadãos mais informados, a menos que os governantes não tenham interesse em melhorar suas práticas democráticas.

Ficção e descrédito
O uso do voto eletrônico só vem aumentar as desigualdades e divisões, inclusive a digital. O eleitor utiliza uma espécie de computador para votar, durante dois ou três minutos, de dois em dois anos, mas não tem o direito de usar o computador a vida inteira. Enquanto a Justiça Eleitoral investe em milhares de máquinas de votar, não é capaz de oferecer, em seus sites, sequer informações básicas aos eleitores. Por que não investir no eleitor? Do ponto de vista da cidadania, é justo que milhares de analfabetos e famintos votem eletronicamente?

Ademais, os gastos com o voto eletrônico são mais elevados do que os gastos com muitos outros programas sociais e de saúde, que trazem melhorias das condições de vida e cidadania das pessoas. Enfim, o projeto do voto eletrônico no Brasil é direcionado mais aos interesses do mercado e de atores corporativos do que para ampliar a cidadania, melhorar as práticas políticas e o engajamento político dos cidadãos.

Ao que parece, o que as nossas autoridades tentam comemorar está totalmente dissociado da construção de um conceito de cidadania ativa para os cidadãos brasileiros. Não se sabe até quando a nação brasileira poderá suportar a ficção de eleições ornamentadas com mágicas, bebidas, shows e amparadas por esquemas de corrupção amplamente reconhecidos. Com o descrédito das instituições, dos políticos e seus partidos e, somando-se a isto, o projeto do voto eletrônico, estamos assistindo à construção de uma engenhoca que reduz a cidadania, com resultados imprevisíveis e temerosos.

Fonte: Observatório da Imprensa

quarta-feira, novembro 1

Do erro monumental à autoflagelação estratégica

Por Pery Cotta (*)

A cada prática, a democracia aponta uma série de providências complementares.

Dela sempre se disse que pode não ser o melhor regime de governo, mas certamente é o menos ruim, certamente pelo auto-aperfeiçoamento de imediato, a cada utilização. Foi o que aconteceu nesta eleição presidencial, quando mais uma vez o processo democrático deixou logo evidentes pelo menos quatro pontos a aperfeiçoar: 1) a questão da urna eletrônica como espécie de caixa-preta; 2) a influência, para o bem e para o mal, das pesquisas eleitorais; 3) as múltiplas e infinitas possibilidades de corrupção e fraudes durante o processo eleitoral; e, 4) a urgência de reforma política, incluindo a correção necessária dos erros agora apontados.

Embora meu passado como jornalista esteja associado ao processo eleitoral (denúncia da tentativa de alterar o voto democrático em 1982) [ver remissões abaixo], não sou analista político e, muito menos, faço parte deste clã exótico dos chamados cientistas políticos, quando se sabe que política não é ciência, às vezes nem arte e quase sempre apenas vasto campo de ação de estelionatários. Qualquer simples observador viu, nesta eleição.

Não há quem conteste, a urna eletrônica é uma espécie de caixa-preta. Primeiro porque exige decodificador próprio, segundo porque informatiza mas não permite acompanhar em tempo útil de reparo e, terceiro e principal para o eleitor, porque não dá direito ao comprovante do voto. Ou seja, ao contrário da navegação aérea, nem após um desastre há como recuperar cada etapa do processo. Não é por outra razão que, apontada como grande evolução, a urna eletrônica brasileira não foi aceita em países que têm compromisso maior com a cidadania como, o direito de o eleitor levar para casa o comprovante da decisão tomada, não apenas o mero "recibo" da presença física.

A lambança praticada por um fornecedor brasileiro, em país vizinho, criando polêmica eleitoral e metros de noticiário das agências internacionais, mostra uma das facetas cinzentas do frágil processo tido como avançada e imbatível tecnologia. Também foi muito estranha a demora de revelação dos votos em São Paulo, no primeiro turno desta eleição, trazendo lembranças daquelas marotas manipulações do irmão do Bush, na eleição norte-americana.

Quanto às pesquisas, qualquer antigo observador de procedimentos eleitorais aponta inicialmente o monumental erro de marketing da campanha oposicionista.

Erro monumental

Muito da firme e continuada consolidação das expectativas de votos do presidente Lula se deve ao fato de que as pesquisas encomendadas e divulgadas pela mídia contrariavam a majoritária posição editorial por ela adotada e, mais do que isto, os assumidos desejos e eventuais compromissos ideológicos e partidários. Ou seja, não pode ser diferente se a cada hora se exalta um candidato e, simultaneamente, revela-se que o outro está na frente. O tempo todo a mídia fortaleceu a posição de Lula, embora o objetivo nem sempre fosse este.

O pessoal da Opus Dei, além disto, esqueceu a máxima dos jesuítas de que devemos fortalecer o nosso lado forte. E não a reconhecida e repetitiva fraqueza. O que acabou representando, por ironia do destino, a indispensável dose de imparcialidade que a mídia precisa exibir para ter credibilidade.

O erro monumental do marketing naturalmente não foi da mídia, mas dos partidos políticos que, fazendo denúncia e em seguida realizando pesquisa de opinião pública, acreditaram que poderiam obter resultados eleitorais. Foi, assim, uma autoflagelação estratégica.

Efeito prático

Lógico que os institutos de pesquisa nada têm com isto. São serviços oferecidos a quem possa pagar a necessária busca dos dados. Mas não parece ser do interesse público que, em nome de pretensa liberdade de expressão, pesquisas de opinião exerçam tal influência sobre processo eleitoral democrático, para o bem ou para o mal. Pesquisa de mercado continuará, em princípio, sendo um negócio especializado e voltado para o sucesso dos produtos e serviços, utilizando de poderosa arma para atingir objetivos mercadológicos.

É verdade também que o uso dos dados pesquisados beneficia primeiro os veículos da mídia, antes mesmo dos efeitos sobre candidaturas e partidos. Desta vez, no entanto, em função da inesperada consciência cívica da população brasileira, não houve prejuízos, apenas nova e irrefutável influência do resultado das pesquisas. Para o bem, felizmente.

O terceiro ponto a focalizar é a moeda que rola nas campanhas eleitorais e no submundo dos partidos políticos, com intermináveis e indescritíveis aplicações do poder do dinheiro, o grande mito moderno capaz de transformar a corrupção em felicidade individual ou de grupos de pessoas, das mais diversas classes e categorias dentro da sociedade. Age e atua antes, durante e depois. Pior de tudo: entendo que nenhum partido político realmente deseja acabar com ela, simplesmente porque, no momento (eleição) seguinte, pode estar ligado a ela e a seus espetaculares benefícios. Não se trata de questão ética ou moral, mas de examinar simplesmente o efeito prático e a presença sempre atuante da corrupção, para cortar os tentáculos de forma positiva e definitiva. Antes, durante e depois do processo eleitoral.

Fácil e simples

Tudo isto leva ao quarto ponto, o da necessidade urgente de uma adequada reforma política que regule e clareie, ao mesmo tempo, os efeitos das etapas tecnológicas da urna eletrônica, impeça a extrapolação danosa de pesquisas eleitorais e dignifique enfim o processo político, restabelecendo-lhe a indispensável credibilidade. São pontos que beneficiam e fortalecem a democracia e garantem a verdadeira cidadania, considerando-se república como coisa pública, do interesse da sociedade.

Se não sabem como fazer, eis uma boa sugestão: como na economia, entreguem tudo aos banqueiros. Pelo menos, quando se utiliza a parafernália eletrônica das agências bancárias, sai um saldo ou extrato capaz do registro instantâneo de todas as operações realizadas. Olha só a utilidade prática disto na urna eletrônica ou em relação aos recursos de campanha. Neste caso, por exemplo, estará claro o valor de depósito e insofismável o depositante com CPF e demais exigências. Não há nem necessidade de fazer pesquisa, antes e durante: em tempo real, está tudo naquela tirinha de papel que a máquina obrigatoriamente imprime.

Parodiando o poeta, tudo é fácil e simples quando a alma não é pequena. E não há dúvida de que vale a pena experimentar.

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