Voto Eletrônico, Voto Seguro?

quinta-feira, outubro 26

Voto eletrônico: na mesma cama, os sonhos são diferentes?

Por José Rodrigues Filho (*)

O voto eletrônico foi implementado na Holanda desde alguns anos atrás, sendo a fabricante das urnas eletrônicas a empresa Nedap/Powervote. Isto aconteceu sem quase nenhuma reação negativa da população, até porque as autoridades eleitorais demonstravam, como no Brasil, total segurança nas urnas eletrônicas. Acontece, porém, que as urnas da empresa Nedap foram recentemente rejeitadas na Irlanda, tendo o governo irlandês barrado a sua utilização, enquanto não se tivesse uma garantia de segurança.

Por conta disto, os holandeses iniciaram, há três meses, uma campanha acirrada contra a utilização de urnas eletrônicas nas eleições de novembro do corrente ano. No momento, ao contrário do que anunciavam, as autoridades eleitorais demonstram sérias preocupações com a segurança das urnas eletrônicas, informando à população que todas elas serão testadas e só serão utilizadas após certificação dada por um instituto independente. Isto mostra o comportamento de um país democrático, que sempre deu demonstração de preocupações com a transparência e a corrupção.

Para se ter uma idéia da intensidade da campanha holandesa contra o voto eletrônico, o wiki site desta campanha - intitulado "não confiamos no voto através de computadores" - foi acessado por mais de 90 mil pessoas no primeiro dia da campanha, em julho, enfatizando que o voto deve ser realizado com papel. O fato foi noticiado pela mídia em toda a Europa. No Brasil, a imprensa burguesa não trouxe uma só linha sobre tão importante assunto.

Para acelerar a gravidade do problema, especialistas holandeses conseguiram dois ou três modelos das urnas eletrônicas da empresa Nedap e atuaram como hackers, com o propósito de demonstrar a fragilidade e vulnerabilidade dessas urnas. Segundo esses especialistas, as urnas são mais vulneráveis do que se imaginava, podendo ser modificadas facilmente para se fraudar qualquer eleição. As urnas da Nedap são do tipo direct recording eletronic (DRE), similares às que são utilizadas no Brasil. Para os especialistas holandeses, tais urnas são equivalentes a qualquer microcomputador, podendo se utilizar qualquer programa, inclusive jogos, durante o seu uso. O que está intrigando os especialistas é o quanto as urnas da Nedap são semelhantes às da empresa Diebold, fabricante norte-americana de urnas eletrônicas.

O relatório desses especialistas, que se encontra no site acima citado, afirma que dificilmente há como melhorar a segurança dessas máquinas, que, universalmente, vêm funcionando à base da "insegurança por obscuridade". As preocupações não são diferentes das apresentadas pelos especialistas brasileiros que, há cerca de dez anos, criticam a insegurança de nossas urnas eletrônicas. Contudo, há muita diferença em relação à forma com que as autoridades eleitorais no Brasil e na Holanda enfrentam o problema.

No Brasil, é legal dizer que as urnas eletrônicas são seguras, mesmo havendo dúvidas quanto a essa afirmação, mas parece ser ilegal dizer que elas são inseguras. Os que estão exigindo mais segurança das máquinas são severamente criticados. Os argumentos dos cientistas brasileiros são totalmente desprezados. As máquinas de votar podem ser uma péssima idéia por trazerem incertezas ao processo eleitoral. Contudo, são extremamente lucrativas para seus fornecedores. Para os políticos em disputa eleitoral, elas podem representar uma boa idéia, uma vez que trazem dúvidas, mas alguma esperança. Para os lobistas, que sabem que contratos significam lucros, elas podem ser uma boa idéia.

Assim sendo, quando as forças de mercado estão acima dos princípios democráticos, de nada vale sonhar com mudanças baseadas em justiça, princípios éticos e morais. Acompanhar o que vai acontecer com as urnas eletrônicas na Holanda é apreender como funciona a sua democracia, que tem sido um bom exemplo para o mundo. Isso pode não ter nenhum efeito na terra de Macunaíma e dos atuais escândalos políticos e de corrupção, a exemplo do mensalão, dos sanguessugas e do dossiêgate. Aqui, democracia significa apenas votar e a "insegurança pela obscuridade" das urnas eletrônicas é permitida sem nenhuma preocupação. Aliás, a melhoria de nossa democracia não depende de urnas eletrônicas e de eleições, mas de outras mudanças estruturais e políticas. Na Holanda, essas mudanças já aconteceram muitos anos atrás.

* José Rodrigues Filho, ex-pesquisador visitante nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente é professor da Universidade Federal da Paraíba e desenvolve pesquisa sobre governo eletrônico no Brasil.

segunda-feira, outubro 23

Adoção de comprovante de voto pode evitar fraudes contra urnas eletrônicas

Por Júlio Bernardes

O risco de fraudes no voto eletrônico é real. Mudanças nos programas que fazem a contagem, totalização e transmissão dos votos podem adulterar os resultados, como foi denunciado na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, nas últimas eleições para prefeito, em 2004. O problema pode ser minimizado? Especialistas em informática afirmam que é possível reduzir significativamente os riscos de fraudes adotando medidas como a impressão dos votos dados na urna eletrônica para conferência dos resultados.
"No Brasil, o voto eletrônico não é auditável, ou seja, não há um comprovante físico de cada voto que possa ser checado em caso de suspeita de fraudes", afirma o professor Routo Terada, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. "Na votação em papel, é possível fazer a conferência por meio da recontagem manual, mas a urna eletrônica sempre fornecerá o mesmo resultado."
De acordo com Walter del Picchia, professor aposentado da Escola Politécnica (Poli)da USP, a programação das urnas pode ser alterada para desviar votos. "Entre a confirmação do voto pelo eleitor e a gravação na memória, há um processamento de dados", explica. "Um programador desonesto poderia alterar o programa de processamento e os votos dados para um candidato seriam computados para um concorrente".
Desde 2.000, Del Picchia participa do Fórum do Voto Eletrônico (http://www.votoseguro.org/), que discute o sistema de votação e apresenta sugestões ao Tribunal SuperiorEleitoral (TSE) para impedir fraudes. "O terminal onde o mesário digita o número do título de eleitor está ligado à urna por um cabo e a identificação pode ficar gravada na urna", alerta. "Quem tivesse acesso aos programas usados na urna poderia programá-la para saber em quem cada pessoa votou, podendo transformar o direito constitucional ao voto secreto numa mera concessão".
Segurança
Terada, que também é especialista em segurança de dados, ressalta que o TSE disponibiliza para os técnicos dos partidos políticos antes das eleições, por alguns dias, os programas de computador usados na votação eletrônica. "O prazo dado para verificação, porém, é muito curto para analisar softwares extensos, que possuem milhões de linhas de programação", observa. "No caso das eleições, o nível de segurança dos programas precisa ser muito alto."
Para reduzir o risco de fraudes, os especialistas sugerem a impressão dos votos eletrônicos. "A urna já possui uma impressora, seria necessário apenas adaptá-la à parte frontal, com um visor onde o eleitor pudesse conferir o voto impresso", conta Del Picchia. "Em seguida, esse voto seria automaticamente depositado na própria urnaeletrônica". A proposta do Fórum é que 2% das urnas, sorteadas após a apuração, sejam submetidas obrigatoriamente a auditoria, que atualmente não é feita pelo TSE.
Terada lembra que nos Estados Unidos a comprovação em papel é obrigatória na maioria dos estados que adotam o voto eletrônico. "Em Minnesota, os eleitores votam em cédulas, mas antes de elas serem depositadas nas urnas, um scanner recebe o voto e o envia a um computador para fazer a totalização", relata. "Se houver denúncias defraudes, os votos são contados manualmente".
Outra proposta do Fórum do Voto Eletrônico é que os boletins de urna sejam disponibilizados na internet. "Hoje, o acesso a estes boletins é muito restrito",diz Del Picchia. "Com eles, seria possível fazer uma totalização paralela dos votos,que poderia detectar interferências de hackers na transmissão dos votos para totalização".
O professor aponta que o Fórum, no "Manifesto dos Professores", pede que o TSE forneça urnas eletrônicas para a realização de testes públicos por especialistas, o que tem sido negado.
Terada lembra que alguns tipos de fraudes, presentes em outras eleições, podem ocorrer também com o voto eletrônico. "Ainda é possível um eleitor usar o título de outra pessoa e votar por ela, ou os casos de compra de votos, especialmente no interior do País."

quinta-feira, outubro 12

Imprensa ignora polêmica sobre confiabilidade do voto eletrônico

Por Carlos Castilho (*)

Acaba de ser lançado nos Estados Unidos o livro Brave New Ballot (A Admirável Nova Urna ) que rebriu uma discussão interrompida desde a confusa reeleição de George W. Bush em 2004 sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas desenvolvidas pela empresa Diebold, que no Brasil está associada à nacional Procomp.

O professor de Ciências da Computação na Universidade John Hopkins (Maryland, EUA) Aviel Rubin resume no seu livro as experiências com o funcionamento de urnas eletrônicas fabricadas pela Diebold iniciadas em 2002, quando foi o primeiro cientista no mundo a afirmar que o sistema criado pela empresa norte-americana não era confiável porque apresentava falhas capazes de comprometer sua confiabilidade.

A principal dúvida levantada por Aviel Rubin e sua equipe de pesquisadores é sobre a impossibilidade de recontagem de votos em caso de resultados muito apertados ou quando houver contestação das apurações por algum candidato. Nestes casos só a justiça eleitoral pode resolver a pendência, coisa que já aconteceu nos Estados Unidos em 2004, sem que as suspeitas de fraude na votação presidencial na Flórida tenham sido eliminadas até hoje.

O engenheiro eletrônico Aviel Rubin começou a se interessar pela segurança das urnas eletrônicas em 2002 quando elas foram introduzias no distrito de Baltimore, onde ele residia e servia também como mesário em eleições locais. Um ano depois ele publicou os resultados da pesquisa feita por uma equipe da Universidade John Hopkins, coordenada por ele, onde entre outras coisas, os investigadores conseguiram invadir a unidade central de processamento do sistema eleitoral eletrônico usando uma prosaica chave de um frigobar de hotel.

Rubin foi acusado de tentar abalar os princípios da democracia e do voto, perdeu seu emprego na universidade e foi colocado sob suspeita de ter agido por influência de uma empresa concorrente da Diebold.

Aqui no Brasil, a Diebold está associada à Procomp e domina 60% do mercado de automação bancária do país, fornece os equipamentos eletrônicos usadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, e tem planos de exportar entre 20 a 30 mil urnas para países da América Latina como Costa Rica, Chile, Peru, Angola, Portugal e Equador. Nada menos que 40% do faturamento da Diebold no Brasil vem de contratos com o governo federal.

A falta de transparência na questão do voto eletrônico é também o tema de outro livro lançado este ano ano Brasil. Fraudes & Defesas no Voto Eletrônico foi escrito pelo engenheiro informático Amilcar Brunazo Filho e pela advogada Maria Aparecida Cortiz. A mesma preocupação está no site Voto Seguro criado em 1997 por um grupo de engenheiros, advogados, jornalistas e analistas de sistemas para investigar a confiabilidade do voto eletrônico.

Os dados levantados pelos pesquisadores tanto aqui como no exterior não chegam a invalidar o uso do voto eletrônico mas fornecem argumentos suficientes para a imprensa e a sociedade passarem a se preocupar com um novo sistema de votação, que até agora tem se caracterizado pela opacidade e pela ausência de mecanismos de verificação dos sufrágios.

Até agora nenhum dos grandes jornais e redes de TV do Brasil abordou a questão levantada pelos dois livros e pelos questionamentos de especialistas em segurança de sistemas eletônicos. O caso de desvios de dinheiro em transações bancárias online, as violações da privacidade no Orkut e a pedofilia online frequentam assiduamente as manchetes da imprensa, mas a questão eleitoral continua uma espécie de tabu. Não se sabe se por questões políticas ou por um eficiente lobby dos fabricantes.

Vocês já imaginaram o que pode acontecer se a diferença de votos entre Lula e Alkimin no segundo turno for mínima?

terça-feira, outubro 3

A urna eletrônica é confiável?

Por Ilton Carlos Dellandréa, desembargador aposentado do TJRS, foi Juiz Eleitoral em Iraí, Espumoso, Novo Hamburgo e Porto Alegre

Um computador, por mais protegido que seja, é vulnerável a vírus e invasões cujos métodos se aperfeiçoam na proporção dos aplicativos protetores.

A urna eletrônica usada nas eleições do Brasil é semelhante a um micro. É programada por seres humanos e seu software é alterável de acordo com as peculiaridades de cada pleito. Por ser programável pode sofrer a ação de maliciosos que queiram alterar resultados em seus interesses e modificar o endereço do voto com mais facilidade do que remeter um vírus via Internet. Além disto, pode desvendar nosso voto, pois o número do título é gravado na urna.


Há vários tipos de fraude. Por exemplo: é possível introduzir um comando que a cada cinco votos desvie um para determinado candidato mesmo que o eleitor tenha teclado o número de outro.
Talvez eventuais alterações maliciosas sejam detectáveis a posteriori. Mas descobrir a fraude depois de ocorrida não adianta. O importante é prevenir.

A preocupação com a vulnerabilidade da urna eletrônica é antiga. Pode ser acompanhada no site http://www.votoseguro.org/, mantido por técnicos especializados, engenheiros, professores e advogados que defendem que a urna eletrônica virtual – que não registra em apartado o voto do eleitor e que será usada nas próximas eleições – admite uma vasta gama de possibilidades de invasões, sendo definitivamente insegura e vulnerável.

O engenheiro Amílcar Brunazo Filho (especialista em segurança de dados) e a advogada Maria Aparecida Cortiz (procuradora de partidos políticos) lançaram, há pouco, o livro Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico, pela All Print Editora, que é no mínimo inquietante. Mesmo para os não familiarizados com o informatiquês ele leva a concluir que as urnas eleitorais brasileiras podem ser fraudadas.

São detalhados os vários modos de contaminação da urna e se pode depreender que, se na eleição tradicional, com cédulas de papel, as fraudes existiam, eram também mais fáceis de ser apuradas, pois o voto era registrado. Agora não. O voto é invisível e, como diz o lema do Voto Seguro: eu sei em quem votei, eles também, mas só eles sabem quem recebeu meu voto, de autoria de Walter Del Picchia, engenheiro e professor titular da Escola Politécnica da USP.
O livro detalha a adaptação criativa de fraudes anteriores, como o voto de cabresto e a compra de votos, e outros meios mais sofisticados, como clonagem e adulteração dos programas, o engravidamento da urna e outros. São possíveis fraudes tanto na eleição, como na apuração e na totalização dos votos.

Os autores mostram que a zerésima – neologismo criado para definir a listagem emitida pela urna antes da votação com os nomes dos candidatos e o número zero ao lado, indicando ausência de votos, na qual repousa a garantia de invulnerabilidade defendida pelo TSE –, ela própria pode ser uma burla, porque é possível imprimir o número zero ao lado do nome do candidato, e ainda assim haver votos guardados na memória do computador (página 27).

O livro não lança acusações levianas. Explica como as fraudes podem ocorrer e apresenta soluções, ao menos parciais, como o uso da Urna Eletrônica Real – que imprime e recolhe os votos dos eleitores em compartimento próprio – ao contrário da urna eminentemente virtual, que não deixa possibilidade de posterior conferência.

O mais instigante é que os autores e outros técnicos e professores protocolizaram no TSE pedidos para efetuar um teste de penetração para demonstrar sua tese e eles foram indeferidos, apesar da fundamentação usada (no site Voto Seguro pode se ter acesso ao teor do pedido).

Cita-se Relatório Hursti, da ONG Black Box Voting, dos EUA, em que testes de penetração nas urnas-e TXs da Diebold demonstraram que é perfeitamente possível se adulterar os programas daqueles modelos e desviar votos numa eleição (página 25). Pelo menos 375 mil das 426 mil urnas que serão usadas nas eleições de 2006 são fabricadas pela Diebold. Elas foram recusadas nos EUA e no Canadá.

É óbvio que a fraude não necessariamente ocorrerá. A grande maioria dos membros do TSE e dos TREs, desde o mais até o menos graduado, é honesta e, por isto, podemos dormir em paz pelo menos metade da noite.

Mas depois que se descobriu que o Poder Judiciário não é imune à corrupção – veja-se o caso de Rondônia – nada é impossível, principalmente no campo eleitoral. Por isto é incompreensível a negativa do TSE em admitir o teste requerido e, o que é pior, insistir em utilizar a Urna-E Virtual com apoio na Lei n. 10.740/03, aprovada de afogadilho e sem o merecido debate, ao invés da mais segura Urna Eletrônica Real.


Se não é certo, em Direito, dizer que quem cala consente é, todavia, correto dizer que quem obsta o exercício de um direito é porque tem algo a esconder. Ou, por outra, que algo aconselha a ocultação. Ou porque – e agora estou me referindo ao caso concreto – se intui que pode haver alguma coisa de podre no seio da urna eletrônica que poderia provocar severas desconfianças às vésperas do pleito.

Fonte: Ajuris