Voto Eletrônico, Voto Seguro?

quinta-feira, agosto 31

O enterro do Relatório COPPE



A Fundação COPPETEC, ligada à UFRJ, foi contratada pelo Partido dos Trabalhadores em 2002, para elaborar uma avaliação da qualidade do software do Sistema Informatizado de Eleições (SIE) do TSE.

Assim, em agosto de 2002, os professores Ana Regina Cavalcanti da Rocha e Guilherme Horta Travassos e os pesquisadores Gleison Santos Souza e Sômulo Mafra compareceram ao TSE por cinco dias, para assistirem a apresentação dos programas do SIE.

O relatório produzido era taxativo quanto a absoluta falta de confiabilidade técnica contra falhas do conjunto de programas do SIE, o que motivou o PT entrar com pedido de impugnação dos programas no dia 16 de agosto de 2002. Tão graves eram as falhas apontadas no Relatório COPPE que a Secretaria de Informática do TSE solicitou ao PT manter secreto o seu conteúdo para não provocar desconfiança no sistema eleitoral que produzia.

Diante da boa perspectiva de vitória nas eleições presidenciais, ao PT também não interessava tornar público a falta de confiabilidade do sistema informatizado de eleições, para não ter questionada sua esperada vitória. Foi assim que o PT decidiu atender ao pedido do TSE e manter secreto o conteúdo do Relatório COPPE.

Como as falhas apontadas que levariam a erros nos programas eram graves, o TSE aceitou a impugnação dos programas e decidiu tentar corrigí-los, convocando uma não prevista apresentação dos programas aos partidos em setembro. Mas, no afã de esconder do resto da sociedade as mazelas encontradas, o TSE recusou-se a esclarecer aos demais partidos quais eram estas falhas apontadas e quais as correções adotadas! Os fiscais dos demais partidos teriam que aprovar as alterações feitas em alguns dos mais de 35.000 arquivos do sistema, sem saber quais eram ou onde se encontravam!

Os técnicos do COPPE também compareceram a esta segunda apresentação dos programas mas seu novo relatório também foi mantido secreto.

Corroborando a afirmação do Relatório COPPE, de que a qualidade do software produzido pelo TSE "era imprevisível", durante a votação e apuração no primeiro turno das eleições de 2002 uma série de erros de funcionamento e de segurança foram descobertos. Por isto, em outubro, uma terceira seção de apresentação e avaliação dos progamas do SIE ocorreu antes do 2º turno de 2002. Não se tem conhecimento se um terceiro relatório do COPPE foi produzido nesta ocasião.

Principais Conclusões e Sugestões

O Relatório COPPE foi um tanto prolixo na redação de suas conclusões mas ainda é possível extrair-lhes um resumo objetivo:

A documentação não indicou o uso de um processo adequado de desenvolvimento nem garante que os programas do SIE tenham a qualidade esperada e necessária;

Não há registros sobre os testes realizados, nem sobre os índices de confiabilidade do produto;

Foi utilizado um processo de desenvolvimento de software bastante ad-hoc e imaturo, o que em geral conduz a produtos de qualidade imprevisível;

O sistema não estava pronto e nem havia sido testado e homologado quando foi apresentado aos partidos políticos;

Não se pode fazer afirmativas sobre a confiabilidade do produto quanto a falhas.

As sugestões do Relatório COPPE foram separadas em dois grupos: a) para aplicação imediata (2002); e b) para serem aplicadas para 2004.

Para aplicação imediata, sugeriram definir um processo sistemático para testes e depuração de código que permita, inclusive, testes de homologação externa (pelos partidos políticos). A recomendação a médio prazo (para as eleições 2004 e seguintes) foi de que seja definido um processo de projeto e desenvolvimento compatível com a norma internacional ISO 12207, que a equipe seja treinada para seguir o processo e que a gerência do projeto audite rigorosamente a obediência ao processo.

As conclusões do Relatório COPPE, mesmo considerando seu escopo restrito, confirma o problema também apontado nos relatórios SBC e Unicamp, de que os partidos políticos, auditores naturais do sistema eleitoral, não dispõe de meios nem conseguem, na prática, estabelecer a confiabilidade dos programas de computador utilizados nas eleições brasileiras, o que vai contra à propaganda oficial do TSE que sempre divulga que os partidos "aprovaram" os programas.

Destaques

Abaixo destaca-se algumas afirmações colhidas do Relatório COPPE .

"Pode-se então afirmar com relação à metodologia CTM/IS: Trata-se de uma metodologia incompleta e em alguns aspectos ultrapassada e incoerente; A metodologia não tem procedimentos claramente estabelecidos para garantia da qualidade do produto"

"o que se pode observar na documentação não indicou o uso de um processo adequado de desenvolvimento e garantia da qualidade."

"Não há registros sobre os testes realizados, nem sobre os índices de confiabilidade do produto"

"Concluímos, portanto, que a forma como o software parece ter sido desenvolvido, isto é, o que se pode deduzir da documentação colocada para exame, não garante que este tenha a qualidade esperada e necessária. Foi utilizado um processo de software bastante ad-hoc e imaturo, o que em geral conduz a produtos de qualidade imprevisível, fortemente dependentes de características pessoais dos desenvolvedores."

"Vários documentos fazem referência a datas de término da codificação.. (que) mostram que a codificação ultrapassou a data de avaliação dos partidos."

"Com base no exame da documentação disponibilizada não se pode fazer afirmativas sobre a confiabilidade do produto."

"Os softwares não têm padrão de interface claro. Não há documentos descrevendo-o."

"As soluções algorítmicas são repetitivas e em alguns casos inadequadas"

"A organização interna das aplicações demonstra que não ocorreu preocupação com o projeto do software, e, A fase de projeto do software parece não ter sido realizada."

"Há alguns absurdos na documentação..."

Artigo na íntegra

quarta-feira, agosto 30

As urnas da Diebold – dinamitadas e adoradas


Por José Rodrigues Filho *

No início da semana que passou a empresa Diebold, fabricante de nossas urnas eletrônicas, foi dinamitada com um relatório resultante de uma pesquisa produzida pelo Instituto de Ciência Eleitoral, da Califórnia, USA, que demonstrou, mais uma vez, a fragilidade e insegurança do voto eletrônico.

A mídia americana não pára de emitir comentários sobre o assunto. O sistema de votação estudado dispunha de mecanismo de impressão do voto do eleitor, ou seja, a máquina de votar era acoplada a uma impressora que emitia o registro do voto. Mesmo assim, o relatório mostrou que, no caso de uma recontagem de votos, cerca de dez por cento (10%) das provas do sistema de verificação e emissão de votos eram ilegíveis, foram destruídos, desapareceram ou estavam comprometidos. Em resumo, a recontagem de votos estava comprometida. Este fato parece derrubar a tese dos que defendem o mecanismo de emissão do voto de papel.

Além disto, o estudo constatou que em cerca de cinqüenta por cento (50%) dos locais de votação houve uma discrepância entre o que estava registrado e armazenado na máquina e a emissão do voto de papel. A média de discrepância foi de 25 votos por local de votação, embora se tenha registrado uma discrepância de mais de 200 votos num único local. Resumindo, o que se constatou foi que a verificação e impressão de votos não batiam com o que estava armazenado na máquina de votar; o que estava registrado na memória da máquina não batia com os cartões de memória; que também não batia com a emissão de votos.

Um fato curioso apontado na pesquisa e comentado pela imprensa foi o de que 24 urnas utilizadas na eleição não continham nenhum voto registrado. Diante destas e outras irregularidades, o relatório concluiu que confiar num sistema de votação eletrônico no estado atual é um risco calculado, pois embora se tenha o resultado de uma eleição que seja aceitável, existe um elevado risco de custo inaceitável. Não estamos falando de fraudes, mas de erros ocorridos nas urnas eletrônicas.

O relatório foi o resultado de uma pesquisa que custou trezentos e quarenta e um mil dólares (US$ 341,000), ou seja, quase um bilhão de reais, gastos num período de três meses pelo distrito de Cuyahoga, município de Cleveland, no Estado do Ohio, envolvendo um batalhão de pesquisadores das áreas de computação, engenharia de sistemas, ciência política, estatística e gestão organizacional. Trata-se de um documento completo e rico de informações, de mais de 200 páginas e que estudou minuciosamente 467 urnas no distrito. O relatório pode ter suas falhas, mas não se trata de um documento falso.

A empresa Diebold tentou desqualificar o relatório do Instituto de Ciência Eleitoral, alegando que as discrepâncias encontradas não eram discrepâncias, atribuindo os erros aos mesários que não tinham o devido treinamento para cuidar de uma eleição. Nos últimos dias desta semana, a administração municipal tentou assumir os erros, pois seria até injusto atribuir todos eles à Diebold e suas máquinas. Neste caso, tanto a Diebold como o relatório da pesquisa chegou a uma conclusão mais ou menos idêntica: uma eleição só pode ser segura e confiável se a administração humana do sistema da eleição estiver devidamente preparado para conduzi-la. Mesmo assim, fica demonstrado, neste caso, que existiram falhas das máquinas, falhas das impressoras e falhas humanas. Daí a necessidade de se continuar desenvolvendo pesquisas para se encontrar o sistema mais eficiente e confiável.

Os Estados Unidos vão realizar eleições no mês de novembro próximo, tendo investido bastante em urnas eletrônicas, com a intenção de que mais de cinqüenta por cento (50%) dos votos sejam computados por elas. Mesmo assim, desde o mês de julho próximo passado que a imprensa, quase que diariamente, detona comentários contra a utilização das urnas eletrônicas, existindo ações judiciais para que elas não sejam utilizadas em vários Estados. Isto sem falar no fato de que alguns Estados não pretendem utilizá-las.

No Brasil, neste período eleitoral, com raríssimas exceções, parece não haver interesse da imprensa de tratar das fragilidades das urnas da Diebold, que são utilizadas nas nossas eleições. Aliás, quando se fala em urnas eletrônicas é incrível como muitos brasileiros parecem sentir seu ego sendo massageado, acreditando que se trata de uma tecnologia brasileira e que o mundo está com inveja do Brasil.

Não há dúvidas que o Brasil foi o primeiro país do mundo a decidir usar, de forma precipitada, urnas eletrônicas para uma eleição em larga escala. Contudo, as urnas sempre foram adquiridas da empresa Diebold, ou seja, sempre foi uma tecnologia lá de fora e, ao que tudo indica, investimentos obscenos foram realizados em urnas eletrônicas, comprometendo outras necessidades básicas e maiores de nossa população. Não se pode continuar, neste país, reciclando velhas iniqüidades, com o único propósito de se ter, com rapidez, o resultado de uma eleição e mostrar ao mundo que somos tecnologicamente avançados, embora pagando muito caro pela tecnologia utilizada.

Não somos contra a tecnologia, mas devemos primeiramente saber se o país tem as condições econômicas de utilizá-la, pois se trata de um elevado investimento. Há poucos anos a empresa Diebold comemorou ter alcançado o maior faturamento de um único pedido em seus 141 anos de história, equivalente a mais de cem milhões de dólares, ao vender urnas eletrônicas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A questão que se faz é a seguinte: o que a nossa democracia ganhou com isto? O que estamos assistindo é uma divisão digital neste país por conta de investimentos obscenos em urnas eletrônicas, sem a condição de se criar nenhuma capacidade tecnológica nesta área. Enquanto o TSE investe maciçamente na aquisição de urnas eletrônicas sofisticadas, correndo o risco de não utilizar toda a sua capacidade durante as eleições deste ano, nega, por outro lado, a pagar irrisórias despesas de viagens e hospedagens de um ou outro pesquisador brasileiro interessado em comparecer, neste início de setembro, à cerimônia de lacre destas urnas para as próximas eleições. O TSE deveria inicialmente investir em pesquisas para depois decidir sobre a aquisição de compra de máquinas de votar. É assim que acontece em outros países.

Enquanto a comunidade acadêmica dos países desenvolvidos dinamita as urnas da Diebold, com resultados bastante consistentes, no Brasil estes artefatos são adorados, devendo a comunidade acadêmica se manter distante para não conhecê-los. Nós, pesquisadores, eleitores e cidadãos somos tratados como pagãos, que temos a necessidade de sermos salvos no altar da máquina de votar da Diebold. Como seres humanos, somos imperfeitos, sujeitos ao pecado e temos de ser perdoados, porém as urnas são infalíveis. Pior ainda: ninguém pode se atrever a interferir no sermão da contagem de votos.

O Brasil é um país com experiência na utilização das urnas da Diebold, porém não existe um só estudo demonstrando a sua robustez, como afirma o TSE. Pior ainda, qualquer comentário contrário às urnas da Diebold é desmentido e desqualificado por técnicos do TSE. Não se avalia tecnologia de informação neste país. As urnas já alcançaram o status de religião e o cultor não pode questionar o dogma. No dia primeiro de outubro vamos à igreja da democracia fazer a nossa genuflexão perante as novas sacerdotisas das máquinas de votar, considerando que elas são as mais altas autoridades num país que, realmente, foi o primeiro a privatizar o seu sistema de votação.

* José Rodrigues Filho foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente é professor da Universidade Federal da Paraíba e desenvolve pesquisa sobre governo eletrônico e democracia eletrônica.

terça-feira, agosto 22

Relatório Brennan: O maquinário da democracia protegendo as eleições em um mundo eletrônico


Por Amilcar Brunazo Filho

Este relatório foi desenvolvido pelo Brennan Center of Justice da New York University, por uma força tarefa composta por mais de 20 especialistas em segurança de dados e em voto eletrônico de grande renome, que analisaram os 3 modelos principais de urnas eletrônicas (inclusive o modelo DRE sem voto impresso como das urnas-e brasileiras).
O Relatório Brennan:

a) descreveu mais de 120 tipos de fraudes que poderiam ser aplicadas nos três sistemas analisados;
b) apresentou uma metodologia nova para quantificação dos níveis de risco de cada tipo de fraude, sendo este metodologia uma grande contribuição técnica do relatório;
c) indicou que a fraude de maior risco para inverter o resultado de uma eleição estadual (governador e senador) é a Adulteração do Programas das Urnas-E, pois é a fraude que envolve o menor número de pessoas para sua efetivação.

As recomendações do Relatório Brennan para a redução dos riscos em sistemas de voto eletrônico são:

1. Adotar do Voto Impresso Conferível pelo Eleitor para Auditoria da Apuração Eletrônica;
2. Complementarmente, desenvolver Testes de Votação Paralela com amostragem ampla e sem diferenças de procedimento em relação a votação normal;
3. Definir regras transparentes e garantidamente aleatórias para a escolha das urnas a serem auditadas ou testadas;
4. Definir políticas claras para resolver as evidências de fraude ou erro na apuração;
5. Proibir componentes de comunicação sem fio (wireless) em máquinas de votar.

Também é importante notar as recomendações que NÃO foram dadas.

Apesar do grupo de analistas conter expoentes mundiais na área de criptografia e assinatura digital, NÃO FOI RECOMENDADO, como forma de se dar mais garantias ao voto eletrônico, nenhum procedimento de validação e certificação dos softwares, como análise antecipada dos códigos-fonte e verificação de assinaturas digitais ou resumos criptográficos, posto que são procedimentos muito caros e ineficazes, podendo facilmente ser burlados.

Comparando as recomendações do Relatório Brennan para segurança do voto eletrônico com as urnas-e brasileiras tem-se o seguinte:

* Aqui não se adota o Voto Impresso Conferível pelo Eleitor para Auditoria da Apuração Eletrônica;
* Desenvolve-se Testes de Votação Paralela, mas com amostragem insignificante (1 em 10 mil) e com diferentes procedimentos de votação (tempo médio de votação simulada superior a 3 min);
* Não existem politicas claras e escritas para detectar e resolver evidências de fraude ou erro na apuração.

Outra comparação que merece ser feita é com relação ao atual Projeto de Lei do Senado PLS 100/05 e ao antigo Projeto de Lei Requião-Tuma, nos quais estão incluídas todas as mesmas sugestões do relatório Brennan, a menos da proibição de componentes sem-fio.

Porém, estes projetos de lei enfrentam forte oposição da Justiça Eleitoral braileira, cuja pressão sobre os parlamentares tem impedido sua aprovação e vigência.

domingo, agosto 20

Por que mudar? (*)





Orçada em 1 bilhão de reais, nova urna não aumenta a segurança do voto

Por Renata Peña

Nas próximas eleições de outubro, das 430.000 urnas eletrônicas que estarão em uso no país, 25.000 trarão uma novidade: um leitor de impressões digitais para a identificação dos eleitores, sem que seja necessária a apresentação de documentos. O equipamento, contudo, só entrará em funcionamento em 2012 – até lá, será apenas adereço de urnas compradas em substituição às que não funcionam mais. Para que o leitor passe a funcionar, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisa providenciar o cadastramento das impressões digitais dos 126 milhões de eleitores. O custo do processo, equipamentos incluídos, está estimado em 1 bilhão de reais. É de supor que tanto dinheiro investido retorne, para o eleitor, na forma de mais praticidade e segurança na hora de votar, certo? Errado. Na opinião de especialistas, a implantação do novo sistema pode até ajudar a evitar que um eleitor se passe por outro no momento de escolher seu candidato, como afirma o TSE, mas não elimina aquela que é considerada uma das maiores falhas do atual sistema de votação: o grau de vulnerabilidade que ele oferece em relação ao sigilo do voto.

Especialistas sempre criticaram o fato de, nas eleições brasileiras, a identificação do eleitor ser feita na mesma máquina em que ele registra o seu voto. Hoje, ao chegar à seção eleitoral, o eleitor se dirige ao mesário e apresenta um documento de identidade. O mesário localiza o seu nome no cadastro e libera a máquina para votação. Faz isso usando um terminal conectado à urna – e é aí que mora o problema. "O fato de o terminal que identifica o eleitor estar ligado à urna dá margem para que, por exemplo, uma programação mal-intencionada junte os dados do eleitor com o voto que ele digitou, acabando com a inviolabilidade da escolha", afirma o engenheiro Amilcar Brunazo Filho, autor do livro Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico. O novo sistema reproduz fielmente o modelo atual: como ocorre hoje, a máquina que identifica o eleitor – nesse caso, o leitor de impressões digitais – também estará conectada à urna. "A mudança proposta pelo TSE não diminui o risco de quebra do sigilo", diz Jorge Stolfi, professor do Instituto de Computação da Unicamp. Também não apagará outro problema: a impossibilidade de recontagem de votos em um sistema que não prevê a impressão. Em grande parte dos estados americanos, o voto é digitado de forma eletrônica – e impresso em seguida. "Um equipamento que permitisse a impressão do voto, este, sim, seria um investimento que valeria a pena", afirma Brunazo.

(*) Revista Veja - agosto/2006, ed 1970

Voto Eletrônico no Brasil – Risco à Democracia


Por José Rodrigues Filho e Luciano Campos Batista

Ganhou destaque na imprensa alemã, trabalho sobre o voto eletrônico no Brasil, dos professores José Rodrigues Filho e Luciano Campos Batista, da Universidade Federal da Paraiba, em conjunto com a professora Cynthia Alexander da Acádia University, Canadá.

Os professores autores têm participado de vários comitês europeus que discutem o voto eletrônico e neste trabalho, que foi apresentado em Conferência realizada em agosto na Áustria e organizada pela Fundação Européia de Ciência, pelo Conselho Europeu e pela Universidade de Viena, uma crítica é feita ao voto eletrônico no Brasil considerado como um risco à democracia, como especifica o seu próprio título (E-Voting in Brazil – The Risks to Democracy).

Enquanto a indústria de informática "empurra" a introdução do voto eletrônico, uma parte da academia e grupos de especialistas organizados na Europa, nos EUA e no Brasil publicam alertas para os riscos desta idéia.

Dois fatos ocorreram recentemente como golpes fatais ao voto eletrônico puro.

O primeiro foi um relatório do Instituto Brenann, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York. Neste relatório juristas, juízes e especialistas em informática famosos dos Estados Unidos fazem uma dura crítica aos modelos de urnas eletrônicas existentes, considerando-as inseguras.

O segundo fato foi uma campanha contra o voto eletrônico sem voto impresso conferido pelo eleitor, iniciada na Holanda, há poucas semanas, que ganhou manchetes nos principais jornais daquele país. As informações são de que com esta campanha, as iniciativas do voto eletrônico sejam barradas naquele país.

A Inglaterra, depois de vários anos de pesquisa, parece ter abandonado a idéia do voto eletrônico. Em resumo, tudo indica que nas democracias tradicionais o voto eletrônico não será implementado, ao menos de imediato, até que se resolvam seus problemas de confiabilidade. Há notícias de que toda a Europa inicie uma campanha contra o voto eletrônico puro.

Não tendo mercado nos países desenvolvidos, a industria de informática se dirige para os países em desenvolvimento, como o Brasil, para vender suas bugigangas tecnológicas. Se o voto manual é suscetível de fraudes, a fraude pode ser maior com o voto eletrônico. A diferença é que a fraude do voto manual é identificada e a do voto eletrônico é muito difícil de ser identificada.

No Brasil, a segurança do voto eletrônico é determinado por lei. A Diebold, empresa americana que vende urnas eletrônicas ao Brasil, é severamente criticada nos Estados Unidos e já descredenciada em alguns Estados, mas no Brasil ela não só é a maior fornecedora de urnas-e, como seus produtos são adorados e decantados como seguros pelos órgãos governamentais. Para os políticos americanos, a insegurança das urnas da Diebold é uma ameaça à democracia, pois, segundo eles, quem controla asmáquinas de votar, pode controlar quem ganha os votos.

Além da insegurança da urna eletrônica, tópico bastante explorado por cientistas brasileiros e do mundo inteiro, os professores da UFPB foram mais além. Ao considerarem o voto eletrônico como um risco à democracia, os pontos básicos defendidos foram os seguintes:

1) A falta de segurança já apresentada por cientistas do Brasil e do mundo, existindo já um consenso entre eles de que a urna eletrônica é suscetível de falhas e fraudes. Não existe ainda tecnologia no mundo capaz de certificar a segurança do voto eletrônico. No Brasil esta segurança é declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à revelia da comunidade científica do mundo. Ao contrário do que está acontecendo em outros países, o voto eletrônico nunca foi discutido pela sociedade brasileira. É preciso desvendar, como ele foi introduzido no país de cima para baixo. Um sistema de votação cujo resultado não é auditável, contém as sementes da destruição da democracia;

2) O voto eletrônico é um determinante de alienação do eleitor, que não consegue mais exercer controle de seu voto. O voto eletrônico passa a ser controlado por corporações multinacionais (vendedores de urnas eletrônicas dos respectivos softwares básicos). Um dos princípios básicos da democracia é uma maior participação e controle da sociedade. Em se tratando do voto eletrônico, este direito sagrado foi retirado do eleitor no Brasil;

3) O voto eletrônico está exacerbando a divisão digital no país, pois o elevado investimento em eleições eletrônicas não permite diminuir o espaço entre os que têm e os que não têm informação. As 25 mil novas urnas-e compradas da Diebold em 2006 apenas para "testar o sistema de leitura das impressóes digitais dos eleitores", poderiam ser melhor aplicados em projetos de inserção digital. Ademais, hoje se gasta mais com o voto eletrônico do que com o Programa Nacional do Câncer, do que todos os hospitais universitários do país. Enfim, gasta-se mais com o voto eletrônico do que o que se gasta com muitos programas sociais que poderiam aliviar as condições de pobreza do país e beneficiar a democracia;

4) A introdução do voto eletrônico direcionada pelo mercado, como acontece no Brasil, é um grande risco à democracia. Uma coisa é o desenvolvimento de uma tecnologia com a participação de toda a sociedade (eleitores) e outra coisa são decisões por trás de portas fechadas, com corporações estrangeiras comemorando faturamentos excessivos;

5) Já que o voto eletrônico não vem sendo introduzido nas democracias tradicionais, sendo cada vez mais crescente os movimentos de resistência, por temer a sua utilização, é preciso avaliar o uso do voto eletrônico no Brasil, desmitificando que não se trata de uma tecnologia brasileira, pois voto eletrônico já existiu nos Estados Unidos, Alemanha e Japão, desde os anos de 1960.

* José Rodrigues Filho foi ex-pesquisador na Universidade de Harvard. É professor da Universidade Federal da Paraíba e, atualmente, desenvolve pesquisa sobre governo eletrônico e democracia eletrônica no Brasil.

terça-feira, agosto 15

Urna eletrônica é confiável?


por Ilton C. Dellandréa
Desembargador e Juiz Eleitoral, aposentado, do Rio Grande do Sul

Um computador, por mais protegido que esteja, é potencialmente vulnerável a vírus e invasões cujos métodos se aperfeiçoam na mesma proporção dos aplicativos protetores. Desconfio que algumas empresas proprietárias de antivírus mantêm um setor específico para criar os que elas próprias, depois, vão eficientemente combater. É a melhor explicação que encontro para a propagação dessa praga cibernética.

A urna eletrônica usada nas eleições do Brasil é um aparato informatizado semelhante a um micro. É programável, ou seja, movida por um software criado por seres humanos e alterável de acordo com as exigências de cada pleito. Por ser programável pode sofrer a ação de maliciosos que queiram alterar resultados em seus interesses. Pode também desvendar nosso voto (o número do título é digitado na urna) e sofrer ação de comandos intencionais colocados para modificar o direcionamento do voto com mais facilidade do que um micro recebe vírus via Internet.

Há várias formas de se fazer isto. Por exemplo: é possível introduzir um comando que a cada cinco votos desvie um para determinado candidato mesmo que o eleitor tenha teclado o número de outro.

Talvez eventuais alterações maliciosas sejam possíveis de serem detectadas a posteriori. Mas descobrir a fraude depois de ocorrida não adianta. O importante é prevenir.

A preocupação com a vulnerabilidade da urna eletrônica é antiga. Pode ser acompanhada no site Voto Seguro, mantido por técnicos especializados, engenheiros, professores e advogados que defendem que a urna eletrônica virtual - que não registra em apartado o voto do eleitor e que será usada nas próximas eleições - admite uma vasta gama de possibilidades de invasões, sendo definitivamente insegura e vulnerável.

Recentemente o engenheiro Amílcar Brunazo Filho (especialista em segurança de dados) e a advogada Maria Aparecida Cortiz (procuradora de partidos políticos) lançaram o livro "Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico" (capa acima), pela All Print Editora, no mínimo inquietante. Mesmo para os não familiarizados com o informatiquês ele é claro e transmite a idéia de que as urnas eleitorais brasileiras podem ser fraudadas.

São detalhados os vários modos de contaminação da urna e se pode depreender que, se na eleição tradicional, com cédulas de papel, as fraudes existiam, eram também mais fáceis de ser apuradas porque o voto era registrado. Agora não. O voto é invisível e, como diz o lema do Voto Seguro: "Eu sei em quem votei, eles também, mas só eles sabem quem recebeu meu voto", de autoria do engenheiro e professor Walter Del Picchia, professor titular da Escola Politécnica da USP.

O livro detalha a adaptação criativa de fraudes anteriores, como o voto de cabresto e a compra de votos, e outros meios mais sofisticados, como clonagem e adulteração dos programas, o engravidamento da urna e outros. Além das fraudes na eleição, são possíveis fraudes na apuração e na totalização do votos.

O livro demonstra que a zerésima - um neologismo para a listagem emitida pela urna antes da votação e na qual constam os nomes dos candidatos com o número zero ao lado, indicando que nenhum deles recebeu ainda votos, na qual repousa a garantia de invulnerabilidade defendida pelo TSE -, ela própria pode ser uma burla porque é possível se imprimir qualquer coisa, como o número zero ao lado do nome do candidato, e ainda assim haver votos guardados na memória do computador (página 27).

O livro não lança acusações levianas. Explica como as fraudes podem ocorrer e ao mesmo tempo apresenta soluções, ao menos parciais, como o uso da Urna Eletrônica Real - que imprime e recolhe os votos dos eleitores em compartimento próprio - ao contrário da urna eminentemente virtual, que não deixa possibilidade de posterior conferência.

O mais instigante é que os autores e outros técnicos e professores protocolizaram no TSE pedidos para efetuar um teste de penetração visando demonstrar sua tese e isto lhes foi negado, apesar da fundamentação usada.

O livro cita o Relatório Hursti, da ONG Black Box Voting, dos EUA, em que testes de penetração nas urnas-e TXs da Diebold demonstraram que é perfeitamente possível se adulterar os programas daqueles modelos de forma a desviar votos numa eleição normal (página 25).

Pelo menos 375 mil das 426 mil urnas que serão utilizadas nas eleições de 2006 são fabricadas pela Diebold. Elas foram, por esses motivos, recusadas tantos nos EUA quanto no Canadá.
É óbvio que a fraude não necessariamente ocorrerá. É óbvio que a grande maioria dos membros do TSE e dos TREs, desde o mais até o menos graduado, é honesta e, por isto, podemos dormir em paz pelo menos metade da noite.

Sei disso porque fui Juiz Eleitoral em Iraí, Espumoso, Novo Hamburgo (onde presidi o famigerado recadastramento eleitoral, saudado como um golpe às falcatruas que se revelou frustrante ao abolir a foto de eleitor no título e abriu o caminho para outras fraudes) e em Porto Alegre. Era Juiz quando pela primeira vez foi utilizada, no Brasil, a urna eletrônica, isto em 1996, e não percebi nada de anormal.

Aqueles eram outros tempos e a novidade da máquina deslumbrava a todos e era tida e havida como segura, principalmente pela atuação do pessoal encarregado de sua manipulação.
Mas depois que se descobriu que o Poder Judiciário não é imune à corrupção - veja-se o caso de Rondônia - nada é impossível, principalmente em matéria eleitoral. Por isto é incompreensível a negativa do TSE em admitir o teste requerido e, o que é pior, insistir em utilizar a Urna-E Virtual com apoio na Lei n. 10.740/03, aprovada de afogadilho e sem o merecido debate, ao invés da mais segura Urna Eletrônica Real.


Se não é certo, em Direito, dizer que quem cala consente é, todavia, correto dizer que quem obsta o exercício de um direito é porque tem algo a esconder. Ou, por outra, que há alguma coisa que aconselha a ocultação. Ou porque - e agora estou me referindo ao caso concreto - se intui que pode haver algo de podre no seio da urna eletrônica que poderia provocar severas desconfianças às vésperas do pleito.